Lugar de cultura é na Cadeia!
Foi na cadeia que aprendi com Bete Mendes a importância
social de um artista;
O bendito Plínio Marcos, ali numa cela de uma antiga
prisão, logo ele que tava bem acostumado com censura fora chamado pra falar da liberdade
de ser, como esse mundo dá voltas não é? Ele falou umas coisas sabe assim também sobre o tudo ser estar existir
desistir resistir, mas naquela época ele fazia sentido, hoje em dia tá tudo tão
bem NÉ? A cidade/estado/pais/mundo mudou/melhorou tanto que o universo que ele
escredescreveu não tem mais nada a ver, tipoassim, sabe?
Foi na Cadeia que aprendi a ler realmente um texto nas suas
entrelinhas, o não quereres dizer, seus contrapontos e conteúdos através de
Esther Goes que nos levou um tal de Hamlet pra melhor nos compreendermos, e até
hoje, penso, logo desisto;
Foi na cadeia que a arte performática em Santos ganhou outros significados quando o Aguilar,
(é aquele mesmo da Banda performática, sabe? Não? Que pena, se frequentasse
mais a Cadeia saberia...) bem... Quando Aguilar foi lá ele só complicou mais
ainda nossa cabeça. Que bom.
Foi na Cadeia que eu chorei com Christiane Tricerri trazia
de novo a vida na mesma cela que ela foi presa e torturada, diga-se de
passagem, nossa Pagu, e ali mostrava o quanto essa mulher ainda é moderna e faz
falta atitude, audácia e culhão.
Foi na cadeia que Elias Andreato pôs de novo Oscar Wilde na cadeia.
Foi na cadeia que Cacá Carvalho nos deu o homem com a flor na boca, ah Pirandello...
Foi na Cadeia que eu vi pela primeira vez um autor que eu
tinha acabado de conhecer, olha isso, estava com o livro “Devassos no paraíso”
e logo depois tive aula com o Trevisan... Santos no paraíso. Depois disso no
mesmo clima o Mix Brasil aportou em Santos e hoje temos um nesse estilo mas com
nossa personalidade, o Sansex, que fala da igualdade, só que aqui. Esse bebê
nasceu lá atrás. Na Cadeia.
Foi na Cadeia que vi exposições de gente que eu conhecia,
que dava aula ali dentro e tínhamos a sorte imensa de poder chamar de amigos e
ser incomodados por suas obras e falar
sobre elas depois.
Foi na Cadeia que eu vi um projeto que levava aula de teatro
pras escolas municipais, estado e prefeitura trabalhando juntos pra unidas
fazer um trabalho lindo e desses alunos ainda tem um monte pagando conta através da cultura
e fazendo diferença, conheço vários.
Foi a Cadeia que eu vi em 2004 se lembrar que em 64 tentaram subtrair a nossa
pátria mãe gentil, distribuir textos teatrais, que deram problema pros
verdinhos naqueles anos cinza, aos grupos de arte que estavam incomodando o
status quo de 2004, para esses incomodar
os azuis do período. Ali, o belo surgiu várias vezes.
Foi da Cadeia que partiu um movimento contra esses mesmos
azuis, uns tempos antes, de fecharem a nossa Secretaria Municipal de Cultura.
Esse povo do tiatru, da curtura era tão chato, mas tão chato, mobilizaram imprensa,
pararam sessões na Camara Municipal, artistas do pais inteiro deram
depoimentos, ficaram do lado, que não conseguiram fechar a nossa Secult. Ela tá
ai até hoje! :D
A maioria desse povo chato usava a Cadeia como espaço de
livre pensamento e ali treinavam suas coisas estranhas de arte que viajavam o
pais todo trazendo para Santos prêmios de todo tipo e canto, Santos é um
terror!
Foi na Cadeia que Maurice Legeard iniciou seus trabalhos ali
numa cela... Nessa mesma Cadeia anos depois um festival de cinema teve a cara de pau de tentar dar continuidade
a paixão de Maurice pela 7º arte numa cidade porto,que não era capital, nem
tinha uma classe empresarial conectada com o futuro e com uma população com
certa baixa auto estima em relação a si mesmo, pois pra fazer “sucesso” seja lá
o que isso for, tínhamos que sair daqui... Bem, tem gente por aqui trabalhando...
Anos depois um filme (olha a 7º arte ai
de novo) chamado “Querô” trazia outra geração (ali na fatídica Cadeia novamente)
de doidos que amavam cinema e hoje tão por aqui fazendo “sucesso” (palavrinha
estranha essa NÉ? Enfim);
Foi na Cadeia que conheci Zé do caixão e tive medo de falar com ele... falei, aprendi sobre cinema, comprei os filmes que ele estava lançando num Box e ganhei uma camiseta que ainda tenho!
Ali na Cadeia da Pagu um sonho dela foi levado nas costas por
um bom tempo, o Festival de Teatro criado pela jovem Patrícia Galvão ali entre
barras de ferro, foi conduzido por pessoas que queriam levar adiante as ideias libertárias
desse tal de teatro que era tão bom que era chamado de amador, pois era feito
de verdade por quem o amava e que ninguém ainda sabe direito me explicar para
que serve...Mas o troço era tão bom que chamávamos ele de FESTA! Pois a cada um
deles celebrava-se Baco, todos os Santos, nossos ícones, juntávamo-nos com a
população caiçara e comiamos toda forma de
fazer arte e amar, toda forma de cultura antialienante e que estava de olho na
alma e no mundo e não na %.
Foi na Cadeia que via e convivia com grupos de hip hop, literatura, dança
contemporânea e clássica, Guris às centenas lambendo aquelas paredes com as
notas de Chiquinha Gonzaga, Vila Lobos, Mozart, Pixinguinha, Gonzagão, Bach e
as vezes até Gilberto Mendes, ensaiarem
de segunda a segunda, com a devida liberdade assegurada pelos guardas de
plantão, esses sempre muito gentis, atenciosos e amigos. Como todo sistema de
segurança do Estado de São Paulo é não é verdade?
Ali na Cadeia espalhava-se cultura as cidades irmãs da Baixada, o que
nos aproximava e multiplicava.
Na Cadeia eu vi um senhor bem idoso com aquele brilho nos olhos que só
as crianças têm chamado Roger Avanzi, também conhecido como Picolino, Palhaço,
levar uma centena de alunos sedentos por circo, às lágrimas e ao riso frouxo e
erudito que só um palhaço consegue alcançar. Aquelas rugas nos cantos dos
olhos, o cheiro de serragem que aquele homem emanava, o ritmo e cadência da sua
voz e a textura daquela pele, a textura das folhas antigas cheias de histórias,
levou todo mundo ali aquele dia a se apaixonar ainda mais pela lona. E tem
gente dali daquela sala que está em várias delas pelos Brazis afora, é... Foram
fazer “sucesso”! Tem uns teimosos e insistentes por aí ainda... Pois naquela
sala um dia também veio um patife chamado Hugo Possolo e nos falou da nossa responsabilidade
enquanto artistas também, em seu lugar de origem e fora dele.
Ali, no circo, aprendi a tríade:TÉCNICA + ESTÉTICA + ÉTICA.
Aquele circo ali dentro da cadeia fez escola... Lembra-me até aquela piadinha boba que fala:
se puser muro em volta vira cadeia e se pôr lona vira circo. Não é que ali era
os 2 juntos???
Por isso que afirmo: Em Santos pelo menos, lugar de Cultura É NA
CADEIA!
Foi na Cadeia que aprendi o que é liberdade.
Junior Brassalotti
Adorei Junior. Fato tudo isso. A Cadeia é o mais legitimo aparelho cultural da cidade. Por tudo que foi, é e que deve continuar sendo. Qdo um povo não respeita a sua história esta fadado a ser número, a ser mais um, a ser qualquer coisa menos um povo. Que a Cadeia se mantenha firme, forte e da cultura e que os artistas possam continuar chamando-a de casa, de lar.
ResponderExcluirFoi na Cadeia que aprendi quem eu queria ser como artista e foi com este texto que me emocionei na 6ª feira, logo cedo. A Cadeia não é só um espaço de arte, é o lugar que nos tornou quem somos e nos alimenta de sonhos.
ResponderExcluirBelas palavras Júnior, na cadeia por incrível que pareça na CADEIA havia LIBERDADE e por isso havia cultura.Nossos sonhos e lembranças não podem ser simplesmente apagados, queremos a cadeia velha funcionando, queremos o nosso espaço.
ResponderExcluir“Muito mais do que máquinas, precisamos de humanidade.”
(Charles Chaplin)